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As novas funções da loja física

Luiz Alberto Marinho de Luiz Alberto Marinho 9 de fevereiro de 2023 no Artigos, Destaque do dia Tempo de leitura: 5 minutos
As novas funções da loja física.

Um dos temas mais explorados no Retail Big Show 2023 foi a evolução da loja física. Este não é exatamente um assunto novo, e já havia sido destaque na NRF passada. Neste ano, porém, diversos painéis enfatizaram não apenas a importância das lojas, como também suas novas e ampliadas funções.

O que está por trás do renascimento das lojas físicas?

Estudo global, realizado pela Euromonitor, mostrou que as pessoas estão finalmente retomando suas rotinas, depois do longo período de medo e reclusão, por conta da pandemia. A pesquisa mostrou que 39% dos entrevistados pretendem aumentar a quantidade de atividades presenciais, o que inclui visitas a restaurantes, cinemas, teatros e shows. E lojas, naturalmente.

O gosto por encontros presenciais se estende também às novas gerações. O pessoal da Doneger | Tobe, protagonistas de uma concorrida sessão na NRF 2023, chamou a Geração Z de nativos digitais que amam o analógico. Faz todo o sentido. Apesar de viver com o rosto enfiado na tela do celular, essa garotada adora reunir-se com os amigos em baladas, lanchonetes e shopping centers. A próxima geração, os Alpha, é formada, na visão da Doneger | TOBE, por jovens que também usarão o digital não para matar tempo, mas sim como ferramenta para descobertas e engajamento com o mundo físico.

Outro fator que impulsiona a volta dos consumidores ao mundo real é o que Kate Ancketill, da consultoria britânica GDR, chamou de ‘Economia da Dopamina’. O conceito já foi usado outras vezes, para definir a substituição do bem-estar momentâneo provocado pelo consumo de produtos e marcas pela excitação resultante do uso excessivo das redes sociais. Kate atualizou a ideia. Para ela, as pessoas estão preferindo viver experiências imersivas únicas ao invés de presentear-se com pequenas indulgências. E essas experiências, na maior parte das vezes, acontecem no mundo real.

Não foi à toa que a Kantar propôs para o varejo um novo KPI (Key Performance Indicator, ou indicador chave de performance, em uma tradução livre para o português). Além dos tradicionais share of market (participação de mercado), share of customer (participação no orçamento do cliente) e que tais, as empresas deverão preocupar-se em ampliar o share of life (participação na vida do cliente). Sabe o que isso significa? Quem conseguir a façanha de manter o consumidor mais tempo no shopping ou na loja, proporcionando entretenimento, serviços, informação ou o que mais interessar às pessoas, terá mais chances de vender produtos e elevar seus resultados. Simples assim.

Isso explica por que shopping centers estão diversificando o mix para agregar mais diversão, alimentação, serviços. Tudo isso faz com que seus frequentadores passem mais tempo das suas vidas ali. Quer um exemplo? O American Dream (que não tem ‘shopping’ ou ‘mall’ no nome, diga-se de passagem), possui mais de 50% da sua área locável dedicada ao entretenimento, incluindo um gigantesco parque aquático, pista de esqui na neve artificial e parque de diversões com cinco enormes montanhas-russas.

O varejo não fica atrás. Marcas como Lululemon oferecem aulas de yoga dentro de suas instalações. A nova Starbucks Reserve, inaugurada no Empire State Building, em Nova York, disponibiliza salas de reunião para os clientes, com telas para projeção e tudo. E a Nike House of Innovation conta neste momento com uma quadra de basquete para uso dos clientes logo na entrada. Vale quase tudo para estimular visitas repetidas e elevar o tempo de permanência das pessoas no local.

Durante sua apresentação na NRF 2023, Rachel Dalton, head of Retailer Insights da Kantar, resumiu essa tendência com poucas e certeiras palavras. Ela disse: “O varejo está indo muito além do relacionamento transacional normal, integrando-se aos estilos de vida dos consumidores para aumentar engajamento”. É exatamente isso.

A evolução do papel da loja física pode também trazer diversificação e aumento de receitas. É o caso da Nordstrom, que conta com sete operações de foodservice na sua flagship, em Nova York. Considerando apenas as unidades com linha completa nos Estados Unidos, alimentos e bebidas já contribuem com 25% das transações realizadas nas lojas. Não surpreende que a Nordstrom tenha criado uma subsidiária exclusivamente para explorar esse negócio promissor, capaz de gerar fluxo e novas vendas.

A Camp é outra marca que vai além da venda de brinquedos em seus pontos físicos. Ali acontecem desde festas de aniversário até cursos de slime e oficinas de pintura em cerâmica para crianças. Como consequência, 40% do resultado da loja vem de serviços. Na Ulta Beauty, dedicada à venda de produtos de beleza, os salões dentro das lojas respondiam por 4% dos ingressos em 2021. Os números de 2022 ainda não estão disponíveis.

Um dos aspectos mais destacados nesta NRF, assim como no study tour que lideramos em Nova York, foi o da loja como canal de mídia. Na Google Store, a equipe não possui metas de vendas – o espaço funciona como um showroom que também comercializa produtos. A Galeria Melissa, em Manhattan, está diretamente ligada à área de marketing da Grendene. Suas funcionárias são chamadas de ‘brand connectors’ (conectores da marca) e não de vendedoras. São exemplos de como a indústria está explorando o mundo físico para promover contato direto com o consumidor final.

Existem ainda negócios desenhados justamente para essa finalidade: aproximar marcas e consumidores por meio de lojas físicas. É o caso da Showfields, boa tradução do modelo de ‘Retail as a Service’ (varejo como serviço). As marcas ali presentes pagam uma taxa mensal para ocuparem um pedaço da loja, terem acesso ao público atraído pela comunicação e eventos promovidos pela Showfields e receberem dados sobre o perfil do público interessado em suas mercadorias.

Na sua conversa com Matt Shay, presidente da NRF, Ron Coghlin, CEO da Petco, sintetizou de forma bem-humorada a polêmica sobre o novo papel da loja: “Perdi a conta de quantas pessoas inteligentes vieram dizer que eu precisava me livrar das minhas lojas. Eles não poderiam estar mais errados. Em primeiro lugar, o que é uma loja? Uma loja é um lugar que tem um hospital? Posso chamar de loja, se o estoque permite a entrega de compras online no mesmo dia? O que temos é muito mais do que uma loja. É um ativo estratégico”.

Para operar esses ativos estratégicos, será necessário preparar e engajar funcionários, mudando suas prioridades, ainda muito associadas exclusivamente à vendas. A nova loja exige pessoas com uma cabeça nova.

Todos esses movimentos projetam um novo cenário para varejistas e shopping centers tendo como pano de fundo as lojas de tijolo e cimento. Neste mundo figital, o consumidor não precisa mais ir a uma loja física para se abastecer com produtos. Ele tem que preferir ir em uma loja. Portanto, as lojas precisam evoluir de simples ‘pontos de venda’ (PDV) para ‘pontos de tudo’ (PDX). O que impacta decisivamente o modelo de negócio dos lojistas e, por consequência, dos próprios shoppings.

Lee Peterson, da WD Partners, fechou sua apresentação nesta NRF citando o filósofo grego Sócrates. Peterson usou a seguinte frase: “O segredo da mudança é focar toda a sua energia, não em lutar contra o velho, mas em construir o novo”. É isso mesmo. Eu apenas acrescentaria que o novo não é o oposto do velho. São apenas dois pontos de uma mesma trajetória.

A loja não mudou. Ela evoluiu. Assim como os modelos de negócio do varejo e de shopping centers precisam também evoluir, para ajustarem-se aos novos tempos figitais.

Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.

Fonte: Mercado&Consumo