Mês da Consciência Negra sob a ótica de uma mulher preta
Ainda é preciso aumentar a participação da mulher negra na liderança das empresas e ofercer mais apoio àquelas que estão no empreendedorismo.
Ainda é preciso aumentar a participação da mulher negra na liderança das empresas e oferecer mais apoio àquelas que estão no empreendedorismo
Por Liliane Rocha
Fundadora e CEO da Gestão Kairós
O mês de novembro representa um grande marco na luta contra o preconceito e na busca pela igualdade racial no Brasil. Em 20/11 é celebrado o Dia da Consciência Negra, que foi instituído oficialmente pela Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, como forma de celebrar Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares – situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco, na Região Nordeste do Brasil, morto em 20/11/65.
Zumbi foi um símbolo de resistência de negras e negros escravizados no Brasil, representando a luta por direitos e pela liberdade da população negra brasileira. Sua esposa, Dandara dos Palmares, é um dos principais nomes abolicionistas e também lutou pela libertação total da escravidão. Ela não se encaixava no lugar social imposto as mulheres negras na época que, até os dias de hoje, deixou um legado de invisibilização e exclusão, vindo a tirar a própria vida, pois preferia a morte a voltar a ser escravizada.
Também em novembro é celebrado o Dia Mundial do Empreendedorismo Feminino (19/11), outro marco na agenda de diversidade do país. Devido à grande importância dessas datas para as questões raciais, vamos unificar as celebrações fazendo uma análise sob o ponto de vista da mulher negra.
Reconhecidamente, o Brasil precisa avançar em questões de inclusão e valorização da mulher negra, seja no mercado de trabalho formal ou no empreendedorismo. De acordo com os dados do relatório Diversidade, Representatividade e Percepção – Censo Multissetorial 2022 da Gestão Kairós, 32% do Quadro Funcional das empresas são mulheres e 33% são negros (pretos e pardos), entretanto, no recorte mulheres negras, o percentual cai para 8,9%.
Esses dados mostram uma grande sub-representação de mulheres negras dentro das estruturas. Já na liderança – nível gerente acima – esse afunilamento fica ainda mais evidente com apenas 3% de mulheres negras, o que é aproximadamente 32 vezes menor que o número de mulheres brancas (95%). Ainda, o percentual de mulheres pardas é o dobro de mulheres pretas.
O estudo inédito – que já é referência e que sana uma lacuna existente no mercado no que se refere aos dados aprofundados que abordem o recorte da mulher negra – analisou informações consolidadas de setores industriais como Mineração, Metalurgia, Agronegócio e Automotivo, mas também Mercado Financeiro, Atacado e Varejo. Foram mais de 26 mil respondentes, em 12 estados brasileiros mais o Distrito Federal, e 23% do território latino-americano (8 países da América Latina mais os Estados Unidos).
Exatamente por conta dessa lacuna de oportunidades para as mulheres negras, afinal até as que conseguem entrar no mercado formal têm poucas oportunidades para ascender e ocupar cargos de liderança nas organizações, é que cada vez mais os números do empreendedorismo feminino negro aumentam no Brasil.
O relatório do Sebrae sobre empreendedorismo negro de 2019 aponta que, no Brasil, 9,6 milhões de mulheres estão à frente de um negócio, sendo que as mulheres negras representam metade desse número, ou seja, cerca de 4,7 milhões. As mulheres negras são uma potência no empreendedorismo, porém, muitas enfrentam mais dificuldades do que outras empreendedoras como o acesso ao crédito para investirem no crescimento de suas empresas.
Segundo a 13ª Pesquisa de Impacto da Pandemia do Coronavírus nos Pequenos Negócios, realizada pelo Sebrae em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), 76% das empreendedoras negras tiverem perda de faturamento. Isso se explica porque grande parte dos negócios de mulheres negras necessita de atuação presencial, então durante o auge da pandemia com a necessidade de isolamento social, muitas não conseguiram trabalhar remotamente.
Empresas avançam na inclusão racial
A Gestão Kairós é uma das maiores consultorias de Diversidade da América Latina e entre os clientes atendidos estão Tenda Atacado e a Symrise, empresas que têm resultados comprovados do avanço do trabalho da consultoria com foco em aumentar a presença da mulher negra nas empresas.
Camila Oliveira é um exemplo da eficiência de projetos de diversidade nas empresas, promovida neste ano, ela é responsável por gerenciar a administração de mais de 40 unidades do Tenda Atacado, liderada pelo CEO, Marcos Samaha. Atualmente, por meio do Tenda Inclui, programa de diversidade da empresa, e do planejamento elaborado pela Gestão Kairós, a empresa que conta com 36% de líderes negros tem a meta de atingir 56% de líderes negros até 2027.
“Sinto-me muito orgulhosa por ser a primeira gerente mulher preta no Tenda, e espero cada vez mais, contribuir para a empresa de maneira positiva”, celebra Camila Oliveira, gerente administrativa do Tenda Atacado.
Camila também é membro do Comitê de Diversidade do Tenda Atacado, estruturado e implantado pela Gestão Kairós, e que vem atuando como multiplicadoras e executoras de ações transformadoras e que gerem engajamento dos profissionais da empresa, além de contribuir com o fortalecimento o planejamento e da temática étnico-racial e de gênero em uma perspectiva multidisciplinar.
Já na Symrise, liderada pelo CEO Eder Ramos, em 2019 foi iniciado, em parceria com a Gestão Kairós, o Programa DiverSym com a gestão dos KPIs e metas a serem alcançadas para aumentar a diversidade e inclusão no quadro funcional e na liderança. Desde o lançamento do programa, a participação de mulheres negras na empresa praticamente dobrou, saindo de 11% em 2020 para 20% neste ano.
A empresa também tem altos índices de engajamento em seus grupos multidisciplinares de diversidade, inicialmente também implantados pela Gestão Kairós, com mais de 90 pessoas participando e engajadas em quatro pilares centrais, sendo um deles totalmente focado em Raça e Etnia.
Isabela Pina começou como estagiária na empresa em 2016 e viu sua carreira se transformar, hoje tem 23 anos e atua como Gerente de Contas da Symrise e reforça a importância de as empresas investirem em programas de diversidade.
“É fundamental que as empresas se posicionem, o Brasil é um país plural e composto em sua maioria por pessoas pretas e pardas, mas que ainda assim, não estão em posição de poder e de reconhecimento. Quando as empresas dão voz aos grupos minorizados e a oportunidade do desenvolvimento de políticas que acolham e incluam essas pessoas, o resultado disso é positivo para todos. O DiverSym tem um papel na divulgação de ações que educam, incluem e demonstram a importância da representatividade preta na Symrise”, conta Isabela Pina.
*Liliane Rocha é fundadora e CEO da Gestão Kairós – Consultoria de Sustentabilidade e Diversidade. Especialista há 17 anos em Sustentabilidade e Diversidade em grandes empresas. Foi eleita recentemente uma das 50 Mulheres de Impacto da América Latina pela Bloomberg Línea. É Conselheira Consultiva de Diversidade da AmBev, da Novelis do Brasil, e do CEOs Legacy – iniciativa da Fundação Dom Cabral (2018/2022) do Conselho do Futuro do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa).
Docente na Pós-Graduação de Sustentabilidade e Diversidade na FIA/USP, no SENAC e na Pós-PUCPR Digital. Mestre em Políticas Públicas e MBA Executivo em Gestão da Sustentabilidade pela FGV, Especialização em Gestão Responsável para Sustentabilidade pela Fundação Dom Cabral, e Relações Públicas pela Cásper Líbero.
Autora do livro “Como ser uma liderança Inclusiva”, detentora oficial do conceito Diversitywashing – Lavagem da Diversidade – no Brasil, desde 2016. Colunista da Época Negócios, na coluna Diversifique-se, da VOGUE, na coluna Negócios e, mais recentemente, do InvestNews, na coluna ESG News com Liliane Rocha. Reconhecida por três anos consecutivos como uma das 101 Lideranças Globais de Diversidade e Inclusão pelo World HRD Congress.