O varejo que ajuda a pensar o Brasil
A Varejo S.A. conversou com Marcos Lima, especialista em políticas públicas, para entender como varejo brasileiro vem se articulando para criar e influenciar nas políticas públicas.

Dois artigos do professor Marcos Lima mostram como o setor de comércio e serviços está se preparando para ser mais influente nas decisões governamentais

No fim de 2018, a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) lançaram o convênio Políticas Públicas 4.0 (PP 4.0). A ideia do projeto era unir entidades do Sistema CNDL e representantes do poder público em discussões que promovessem o desenvolvimento do setor varejista.
Assim, lideranças do setor passaram a ter contato com atividades como qualificação para ações de Relações Institucionais e Governamentais (RIG), fomento ao desenvolvimento local e regional e Mobilização empresarial. A ideia final, claro, era criar condições para que o varejo pudesse contribuir ainda mais com o debate e a formulação de políticas públicas.
Agora, perto de completar quatro anos de atividade, o projeto ganha dois artigos acadêmicos publicados em revistas especializadas para mostrar o grau de maturidade política do varejo. Um é “Desenvolvimento econômico local e Políticas Públicas: Fundamentos e Agenda para o setor de varejo no Brasil”, publicado na Revista Brasileira de Políticas Públicas e Internacionais, e o outro “Articulação de Agenda de Políticas Públicas: Práticas Para o setor de varejo no Brasil”, editado pela revista Qualitas. Ambos assinados pelo professor Marcos Lima, consultor do Instituto de Avaliação, Gestão & Educação (IAGEE).
Marcos trabalhou diretamente nas atividades do PP 4.0 e atuou especificamente na área de desenvolvimento regional. A Varejo S.A. aproveitou a publicação dos artigos para conversar com o especialista e entender como varejo brasileiro vem se articulando para criar e influenciar nas políticas públicas.
O senhor acabou de lançar dois artigos que tratam do desenvolvimento de políticas públicas no setor varejista. Qual importância desse registro?
Temos poucas publicações sobre políticas públicas setoriais relacionadas ao varejo. Outros segmentos da economia, por serem mais antigos ou estarem mais desenvolvidos, já conseguiram se consolidar em relação a esse tema, mas o varejo ainda está buscando esse espaço. Acho que esses artigos servem como mapa e ponto de partida para estudos futuros na área de políticas públicas. Com esse material também conseguimos publicizar a experiência vivida no Sistema CNDL, nesse momento em que ele está se estruturando em questões importantes como o desenvolvimento de áreas de relações institucionais e governamentais.
Leia os artigos de Marcos Lima
– Desenvolvimento econômico local e Políticas Públicas: Fundamentos e Agenda para o setor de varejo no Brasil | – Articulação de Agenda de Políticas Públicas: Práticas para o setor de varejo no Brasil |
Quando você fala em políticas públicas está se referindo a que exatamente? Muita gente pode achar que esse tema é de exclusividade dos agentes públicos?
O conceito de política pública e sua elaboração passa pelo que nós chamamos de “ciclo da política pública”, que é o momento em que as propostas de qualquer agente social são demandadas, criadas, implementadas e tornadas realidade. No Brasil, não temos muito essa consciência. Hoje, já sabemos que uma política pública não é uma tarefa exclusiva de um parlamentar. Ela também pode e deve ser criada pela demanda social de uma comunidade. Qualquer grupo com alguma reinvindicação pode mobilizar lideranças comunitárias, sociais, empresariais e representantes políticos que vão levar essas questões para um órgão oficializador de políticas públicas, como o parlamento, nos casos de criação de leis ou normas.
Você diz que o varejo ainda não tem a mesma atuação na criação de políticas públicas quanto outros setores. Por que isso acontece?
O varejo tem muitas peculiaridades em relação a outros setores, como indústria e o agronegócio, por exemplo. A principal é a multiplicidade de negócios envolvidos nesse setor. O comércio é troca, e a sociedade faz troca de tudo, o que gera vários tipos de atividades e interesses. A lista é enorme e diversa. Então, temos empresários varejistas e segmentos totalmente distintos que, muitas vezes, possuem até interesses divergentes e conflitantes. Outra peculiaridade é que a maioria do setor é composta por pequenos negócios, muitas vezes familiares, nos quais o nível de profissionalização ainda é baixo, o que dificulta a mobilização do setor.
E como é possível superar essas barreiras e fazer com que o varejo tenha uma participação maior na criação de políticas públicas?
A experiência que a CNDL vem aplicando nos últimos anos, primeiro como o Programa Nacional de Desenvolvimento do Varejo (PNDV), e depois como o Políticas Públicas 4.0 (PP 4.0), vem se mostrando bastante eficiente neste sentido. Ela deixa clara as possibilidades de atuação e interferência do setor nos ciclos de políticas públicas

Boa parte do trabalho que você fez no PP 4.0 passa pela formação e capacitação de lideranças. Como vê o desenvolvimento dessa área no varejo?
Como tudo no varejo, esse também é um ponto que tem muitos aspectos. Temos lideranças varejistas no Brasil com grande capacidade de mobilização e articulação política. Vemos isso nas articulações com a Frente Parlamentar de Comércio e Serviços, que reúne quase duzentos parlamentares articulados com várias lideranças varejistas. Mas muitas regiões não possuem esses líderes, o que acredito ter muito a ver com uma questão cultural. Uma resistência à prática política, que muitas vezes é vista com preconceito, o que é um erro. A política é o que viabiliza o convívio social.
Então o desenvolvimento do setor como agente formulador de políticas públicas passa pela superação desse tipo de preconceito?
Sim. E o trabalho da CNDL nesse sentido é fundamental, porque ela mostra como é possível defender interesses com transparência e espírito público. A pandemia mostrou isso. O empresário que achava que não tinha que se envolver com questões políticas, de governo, teve que lidar com decretos, exigências sanitárias e medidas de fechamento de comércio etc. Foram decisões que impactaram de maneira imediata nos negócios de milhares de comerciantes. Para vários empresários, foi o momento que entenderam que sua participação na tomada de decisões é mais efetiva se for direta. A sorte de muitos foi a existência de lideranças como as do Sistema CNDL, que atuou pelos interesses do setor, elaborando planos, ativando as CDLs para buscar soluções locais de segurança sanitária e, muitas vezes, atendendo a pedidos de socorro das próprias prefeituras.
O ideal é que essa participação seja diária e não motivada por eventos esporádicos.
Sim, temos que viver isso no dia a dia e internalizar esse tipo de atividade. Veja, mais uma vez, o exemplo da CNDL. Hoje ela conta com área específica de Relações Institucionais e Governamentais, com uma especialista em Políticas Públicas e um gestor voltado especialmente para esses projetos. É um trabalho que se desenvolve na Confederação e que está senso estimulado em outras entidades do Sistema, como na FCDL-MG, por exemplo.
E aí o papel do líder varejista se torna mais relevante, certo?
Sim, claro! Mas é necessário que esse líder se prepare. Um ponto importante na formação de uma liderança que pretende atuar na formulação de políticas públicas é entender o que é essa prática, para que serve, como pode ser aplicada, o que pode ser positivo e negativo para o seu setor. Para isso, é necessário que ela se envolva nas questões de governo.
O senhor pode exemplificar?
Um exemplo clássico é o mecanismo de compras governamentais. Os varejistas dos municípios têm que estar preparados para compreender entender e atender as demandas de produtos por parte das prefeituras. Ela pode atender essas demandas? Como saber onde eu posso ser útil. O mesmo vale para atuação na formação de frentes parlamentares em câmaras de vereadores. A estrutura que vemos nas esferas Federais podem e devem se repetir no âmbito estadual e municipal.
Garantir a eleição de representantes também?
Claro! Eleger políticos ligados ao varejo, que já tenham alguma ligação com entidades é um grande avanço. Afinal, para conseguir que as demandas do setor sejam atendidas é muito mais fácil quando você tem uma liderança na arena política. Esse espaço tem que ser ocupado, ou vem o representante de outro setor e fica com essa vaga.
O senhor citou a pandemia como um tema recente de atuação política do setor. Mas quais são as demandas mais comuns do setor?
Como já disse, o varejo é um setor muito amplo. Nosso trabalho no Programa Nacional de Desenvolvimento do Varejo (PNDV), que antecedeu o PP 4.0, procurou fazer algumas segmentações. Isso está expresso no artigo “Desenvolvimento Econômico Local e Políticas Públicas: Fundamentos e agenda para o Setor de Varejo no Brasil”, publicado na publicado na Revista Brasileira de Políticas Públicas. Mapeamos oito temas: Fortalecimento do comércio e desenvolvimento econômico local, Mobilidade urbana e infraestrutura, Segurança pública, Educação empresarial, Sistema tributário, Crédito e financiamento para o setor, Modernização das leis trabalhistas e Apoio a inovação. Desses temas, o mais demandado são as políticas públicas de fortalecimento do comércio e desenvolvimento econômico local, com quase 30% dos casos.
E por que isso?
Veja bem, não adianta o comércio crescer, se o restante da sociedade está estagnada ou em decadência. O comércio é um termômetro que cresce na medida em que a sociedade se desenvolve. Por isso que o Sebrae, por exemplo, conecta muitos projetos ligados ao desenvolvimento local.
Esses temas podem variar com tempo?
Com certeza. E é por isso que esse tipo de pesquisa dever ser revista de tempos em tempos. Quando fizemos esse trabalho, a pandemia, por exemplo, não existia. Agora, sabemos que deve haver registros relacionados às questões sanitárias, de saneamento básico e urbanização. É um trabalho permanente que vai ajudar não só um setor específico, mas todo o país a se desenvolver, gerar emprego, renda e riqueza.