Qual é o futuro das lideranças nos conselhos corporativos?
O papel do Lead Independent Director deve crescer nas organizações, conforme os desafios éticos, estratégicos e reputacionais se tornam mais complexos
shutterstock
Estamos diante de uma virada silenciosa, mas decisiva, na dinâmica dos conselhos de administração. À medida que os desafios éticos, estratégicos e reputacionais se tornam mais complexos, cresce também a demanda por vozes verdadeiramente isentas nas instâncias decisórias. É nesse cenário que o Lead Independent Director (LID) vem se consolidando como uma figura central na evolução da governança corporativa.
O LID é, essencialmente, um conselheiro independente que atua como coordenador e porta-voz dos demais conselheiros, também independentes. Ele garante que suas contribuições tenham espaço qualificado nas deliberações, especialmente quando o presidente do conselho não é independente. O líder também atua como mediador em tensões sensíveis entre o CEO e o board, exercendo papel crítico na preservação do equilíbrio e da legitimidade do colegiado.
A prática já é madura em mercados como os Estados Unidos, onde 46% das companhias de capital aberto contam com um LID, conforme estudo da Deloitte. No Reino Unido, Canadá e Austrália, o cargo é igualmente difundido, sendo considerado essencial em conselhos que buscam fortalecer a supervisão estratégica e a proteção dos interesses de longo prazo.
LID ganha espaço no Brasil
No Brasil, embora o LID ainda não seja uma exigência legal, sua adoção vem ganhando espaço em companhias que buscam excelência em governança, especialmente aquelas listadas no Novo Mercado da B3.
É o caso da Localiza, que estruturou seu conselho com base nas melhores práticas internacionais e prevê a designação de um conselheiro independente com função de liderança e articulação.
Outro exemplo é a Vale, que, diante de suas demandas de governança e da complexidade de seu contexto empresarial, adota o LID como figura-chave para garantir a fluidez do diálogo entre independentes e administração, fortalecendo a escuta e a imparcialidade nas decisões estratégicas.
O estudo “Conselheiros Independentes: Boas Práticas”, realizado pelo EY Center for Board Matters, em abril de 2024, entrevistou 143 membros de conselhos e executivos de grandes empresas brasileiras, para mapear as principais práticas e desafios relacionados aos conselheiros independentes.
O levantamento mostrou que 97% dos conselhos já contam com membros independentes, sendo que suas maiores contribuições, segundo os respondentes, são trazer visão externa (23%), garantir imparcialidade e neutralidade (18%), agregar conhecimento e experiência do setor (14%) e promover profissionalismo e rigor (13%). Entre as qualidades mais valorizadas entre esses profissionais estão a habilidade para desafiar decisões do conselho de forma construtiva (15%), comunicação, liderança e empatia (15%) e altos padrões éticos (14%).
Cargo deve ter independência preservada
Para garantir a independência, os principais critérios apontados foram não ser empregado ou administrador atual ou recente da empresa (24%), não ser fornecedor ou auditor nos últimos três anos (19%), não ter vínculo de parentesco com administradores ou acionistas relevantes (18%) e não ser acionista (17%). O estudo também revela que a percepção de perda de independência cresce com o tempo de atuação: 37% consideram que ela se perde após cinco anos, 26% entre cinco e dez anos, e 22% após mais de dez anos.
Entre os principais desafios para ampliar a presença de conselheiros independentes, destacam-se a pressão de acionistas contrários à presença desses membros (21,2%), a escassez de candidatos qualificados (20,1%) e a baixa disposição para investir na busca de independentes (17,4%). Além disso, 68% dos participantes acreditam que conselheiros independentes devem acionar órgãos reguladores caso os interesses dos acionistas minoritários estejam em risco, reforçando o papel estratégico desses profissionais para fortalecer a governança e proteger a equidade entre os stakeholders.
Mais do que uma formalidade, o LID representa um novo patamar de maturidade. Ele amplia a diversidade de perspectivas, fortalece a ética nas decisões e cria um canal legítimo para o contraditório — essencial em tempos de transformação. Nos próximos anos, a tendência é que esse papel ganhe mais protagonismo.
À medida que os desafios de governança se tornam mais sofisticados, a liderança no conselho não será apenas sobre quem preside a mesa, mas sobre quem garante que todas as vozes sejam ouvidas. Se o século XX foi o século dos conselhos orientados ao controle, o século XXI será o da governança orientada ao diálogo e à responsabilidade coletiva. E o LID está no centro dessa evolução.
* Geovana Donella, professora convidada da Fundação Dom Cabral (FDC), atuando no Programa de Desenvolvimento de Conselheiros (PDC)

