Senado aprova o novo marco fiscal e devolve o texto à Câmara
O texto-base foi a votação nominal e recebeu 57 votos a favor e 17 contrários.
O Plenário do Senado aprovou nesta quarta-feira (21) o novo marco de regras fiscais para o governo federal (PLP 93/2023). O texto-base foi a votação nominal e recebeu 57 votos a favor e 17 contrários. Na sequência, os senadores analisaram três emendas que haviam sido destacadas para votação à parte; todas foram rejeitadas.
O projeto volta agora para a Câmara dos Deputados para análise final das mudanças que foram feitas pelo Senado.
O relator do arcabouço fiscal, senador Omar Aziz (PSD-AM), incluiu três novas exceções à lista de conjuntos de despesas que ficam excluídos das regras de limitação ao crescimento dos gastos:
- A complementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb);
- O Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF);
- Despesas nas áreas de ciência, tecnologia e inovação.
Além disso, Omar aceitou uma emenda proposta pelo líder do governo, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), durante a votação no Plenário. A emenda permite que o governo use uma estimativa de inflação anual para ampliar o seu limite de gastos ainda na fase de elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA).
O texto original diz que os limites ao crescimento da despesa impostos pelo arcabouço serão corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrado nos 12 meses até junho do ano anterior ao da LOA. Porém, se houver diferença positiva no IPCA de 12 meses registrado ao final desse mesmo ano, essa diferença poderá ser usada para ampliar o limite, através do uso de créditos adicionais que precisam ser aprovados pelo Congresso Nacional.
O que a emenda faz é autorizar o governo a produzir uma estimativa dessa diferença e aplicá-la na elaboração do projeto da LOA. As programações de despesas que usarem essa estimativa continuarão dependendo da aprovação dos créditos adicionais pelo Congresso. Segundo Randolfe, a medida serve apenas para ajustar a LOA do próximo ano, que já obedecerá ao arcabouço.
— O cálculo do IPCA que foi feito na Câmara levou em consideração o mês de agosto do ano passado, em que ocorreu uma deflação artificial em decorrência da redução de tributos sobre os combustíveis. Isso criará a necessidade de um corte de até R$ 40 bilhões no orçamento federal do ano que vem. Com essa emenda, nós não mexemos no cálculo estabelecido pela Câmara. O objetivo é simplesmente evitar esse corte, permitindo que o montante dessa despesa seja incluído no PLOA do ano que vem como despesa condicionada.
O senador pediu que a emenda fosse aceita pelos colegas pois, do contrário, os investimentos do próximo ano já estariam comprometidos logo de partida.
— É indispensável para os planos do governo e, sobretudo, para a reedição do Plano de Aceleração do Crescimento, para os investimentos que vamos ter em transportes e em desenvolvimento regional. Não subverte o que foi deliberado pela Câmara dos Deputados. Nós só fazemos um ajuste para o PLOA do ano que vem.
“Melhor possível”
Omar Aziz disse ter recebido muitos pedidos para excluir outras áreas de despesas das regras de contenção de gastos. Apesar de considerar todos meritórios, ele explicou que não atendeu a todos porque o mais importante era entregar ao país uma lei fiscal segura e confiável.
— É lógico que alguns querem flexibilidade, outros querem deixar mais ajustado. É um direito dos senadores fazer isso, e é uma obrigação minha tentar fazer o melhor possível. Se eu começar a retirar do arcabouço tudo aquilo que é necessário, que é urgente e urgentíssimo, nós não teremos arcabouço. Agora, nós temos, sim, uma lei. Era o melhor que era possível neste momento.
O senador também garantiu que está “otimista” quanto à efetividade da nova legislação, pois acredita que ela é superior a normas anteriores de controle de gastos, como o teto de gastos (que será revogado assim que o novo arcabouço for sancionado) e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Regras
O arcabouço fiscal fixa limites para o crescimento da despesa primária. Eles devem ser reajustados anualmente, segundo a combinação de dois critérios: o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e um percentual sobre o crescimento da receita primária. Os parâmetros levam em conta a meta de resultado primário de dois anos antes. Os gastos podem crescer até os seguintes limites:
70% da variação real da receita, caso a meta do ano anterior ao da elaboração da lei orçamentária anual tenha sido cumprida; ou
50% da variação real da receita, caso a meta do ano anterior ao da elaboração da lei orçamentária anual não tenha sido alcançada.
O texto prevê faixas de tolerância para a definição do resultado primário. Essa margem, para mais ou para menos, é de 0,25 ponto percentual do PIB previsto no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A meta só é considerada descumprida se o resultado ficar abaixo da banda inferior da faixa de tolerância.
A lei também vai assegurar um crescimento mínimo para o limite de despesa primária: 0,6% ao ano. O projeto também fixa um teto para a evolução dos gastos públicos federais: 2,5% ao ano, que prevalece quando a aplicação dos 70% da variação da receita resulte em valor maior.
O texto aprovado também estabelece regras para os investimentos. A cada ano, eles devem ser equivalentes a pelo menos 0,6% do PIB estimado no projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA). Caso a estimativa do PIB em R$ 11,5 trilhões para 2024 seja mantida, o investimento mínimo no próximo ano seria de R$ 69 bilhões. Se o país alcançar um resultado primário acima do intervalo de tolerância — ou seja, 0,25% do PIB além da meta —, o Poder Executivo pode aplicar 70% do valor excedente em investimentos no ano seguinte. Ainda assim, as dotações adicionais em investimentos não podem ultrapassar o equivalente a 0,25 ponto percentual do PIB do ano anterior.
Exceções
Além das despesas com Fundeb, FCDF e as áreas de ciência, tecnologia e inovação, o texto aprovado pelo Senado mantém fora do teto gastos obrigatórios e outros definidos como exceções pela Câmara dos Deputados. São os seguintes:
- Transferências a estados e municípios pela concessão de florestas federais ou venda de imóveis federais;
- Precatórios devidos a outros entes federativos usados para abater dívidas;
- Transferências constitucionais e legais a estados, Distrito Federal e municípios, como as de tributos;
- Créditos extraordinários para despesas urgentes, como calamidade pública;
- Despesas não-recorrentes da Justiça Eleitoral com a realização de eleições;
- Despesas custeadas por doações, como as do Fundo Amazônia ou aquelas obtidas por universidades, e por recursos obtidos em razão de acordos judiciais ou extrajudiciais relativos a desastres de qualquer tipo;
- Despesas pagas com receitas próprias ou convênios obtidos por universidades públicas federais, empresas públicas da União que administram hospitais universitários, instituições federais de educação, ciência e tecnologia, vinculadas ao Ministério da Educação, estabelecimentos militares federais e demais instituições científicas, tecnológicas e de inovação;
- Despesas da União com obras e serviços de engenharia custeadas com recursos transferidos por estados e municípios, a exemplo de obras realizadas pelo Batalhão de Engenharia do Exército em rodovias administradas por governos locais;
- Pagamento de precatórios com deságio aceito pelo credor;
- Parcelamento de precatórios obtidos por estados e municípios relativos a repasses do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef).
Discussão
O líder do governo, senador Jaques Wagner (PT-BA), observou que o novo arcabouço era uma medida necessária pois a regra fiscal atual do país – o teto de gastos, estabelecido em 2016 – perdeu a sua confiabilidade. Segundo Wagner, o teto não era realista e, portanto, não funcionou.
— O teto de gastos virou uma peneira, tantas as vezes que ele foi furado por interesse, muitas vezes, nobres. Como não furar o teto para salvar a população brasileira da covid-19? O mundo inteiro hoje adota o contraciclo: se a economia vai mal, é hora de o governo estar presente; se vai bem, o governo pode se retirar da economia. A tentativa do ministro [da Fazenda, Fernando] Haddad e de sua equipe foi de buscar um arcabouço fiscal mais moderno, mais flexível. É uma medida inteligente.
O senador Eduardo Braga (MDB-AM) disse que o novo marco fiscal é a pauta “mais importante” a ser cumprida pelo Senado no ano de 2023. Para ele, o texto vai desobstruir caminhos importantes que o teto de gastos havia interditado.
— A política do teto de gastos engessava a nação brasileira a uma situação de não ter mais capacidade de investimento público. Nós estávamos chegando ao fundo do poço em várias situações da estrutura nacional. Estávamos chegando à bancarrota na saúde pública e na educação.
O senador Otto Alencar (PSD-BA) destacou indicadores econômicos em tendência positiva para ilustrar que o arcabouço fiscal está sendo bem recebido.
— Não vejo como termos problemas com o aumento da dívida pública. Todos os indicadores da economia melhoraram depois de [o arcabouço ser] aprovado na Câmara dos Deputados: a inflação desacelerou, caiu o dólar, tivemos o crescimento do PIB nos três primeiros meses. Vamos para uma posição bem melhor.
Já o líder da oposição, senador Rogério Marinho (PL-RN), disse entender que a lei não será efetiva pois não vem acompanhada de medidas para aprimorar a qualidade do gasto público, através de reformas administrativas. Para Marinho, é grande o risco de a nova legislação voltar a acelerar o crescimento da dívida pública.
— Uma característica deste governo é repetir os mesmos métodos com os mesmos atores e imaginar que teremos um resultado diferente. Infelizmente estamos falando de uma situação que pode levar o Brasil, no médio prazo, à mesma situação que vivenciamos em 2015 e 2016. As políticas que foram reiteradas naquela oportunidade, de gastos sem qualidade, sem nenhuma preocupação com a contenção das despesas, fizeram com que o Brasil enfrentasse a maior recessão da sua história desde 1948.
O senador Marcos Rogério (PL-RO) fez coro às críticas e avaliou que o arcabouço fiscal se sustenta em premissas “irreais” e que não entregará o que promete.
— Para funcionar, ele exige o aumento constante de receitas para que os resultados fiscais primários se concretizem. É claro que é possível, teoricamente, aumentar a arrecadação. Na prática, no entanto, isso é mais difícil do que parece. O projeto visa, na verdade, a criar um passe livre para gastos sem freio do governo federal. Ao não se cuidar adequadamente do regime fiscal agora, se está tão somente criando uma bomba que explodirá mais adiante.
Jaques Wagner rechaçou os comentários da oposição e garantiu que o arcabouço não será um “cheque em branco” para a expansão desordenada de gastos do governo federal.
— Não há pretensão deste governo de furar a responsabilidade fiscal. Quem mais paga, quando se quebra a responsabilidade fiscal, é o povo mais simples.
Outros dispositivos
Uma regra inserida no projeto pode ampliar o limite de despesas do Poder Executivo em 2024. Caso a União registre uma “boa performance da receita”, o dinheiro extra pode ser liberado por meio de crédito suplementar, após a segunda avaliação bimestral de receitas e despesas primárias. Ainda assim, o valor fica limitado a 2,5% de crescimento real da despesa pública previsto na regra geral.
O texto prevê ainda a adoção de limites globais de despesa para os Três Poderes, o Ministério Público e a Defensoria Pública da União. Em 2024, o limite equivale às dotações previstas na Lei Orçamentária deste ano (Lei 14.535, de 2023) mais os créditos adicionais vigentes antes da publicação do novo arcabouço fiscal. O texto permite a compensação entre os limites individualizados de todos órgãos — exceto o do Poder Executivo.
Para 2023, os limites individualizados são aqueles previstos na Lei Orçamentária. Eles não podem ser ultrapassados por meio da abertura de crédito suplementar ou especial. Para ser considerado cumprido, o limite deve considerar as despesas primárias pagas, incluídos os restos a pagar pagos e demais operações que afetem o resultado primário do exercício.
Conceito de receita
O arcabouço exclui do conceito de receita primária alguns rendimentos considerados incertos ou imprevisíveis. É o caso de quantias obtidas com concessões e permissões, dividendos e participações, exploração de recursos naturais e transferências legais e constitucionais por repartição. Também são desconsideradas para o cálculo da receita primária:
- Saldos de contas inativas do Programa de Integração Social e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) declarados abandonados pela Emenda Constitucional 126
- Receitas obtidas com programas de recuperação fiscal (Refis) criados após a publicação do arcabouço fiscal.
- Para estimar a variação real da receita primária, o projeto prevê o uso dos valores acumulados nos 12 meses encerrados em junho do ano em que começa a tramitação do projeto da Lei Orçamentária. Por exemplo: a variação da receita para 2024 deve ser calculada a partir dos valores acumulados de julho de 2022 a junho de 2023, considerada a inflação do período.
Fonte: Agência Senado