Afroempreendedorismo
Abrir o negócio próprio e valorizar sua cultura e ancestralidade é o recurso de grupos que investem na economia criativa para incentivar renda entre a […]
Abrir o negócio próprio e valorizar sua cultura e ancestralidade é o recurso de grupos que investem na economia criativa para incentivar renda entre a população negra.
Estimular a inovação e a geração de negócios de modo a ampliar as oportunidades de trabalho e renda para os negros no Brasil. Essa é a definição de Afroempreendedorismo, iniciativa que ganha importância no país promovendo a divulgação e a comercialização de produtos que valorizam a negritude e as raízes da cultura negra no Brasil. Unidos, os afroempreendedores buscam informação e conhecimento para tirar suas ideias do papel e fortalecer, a parti r da conquista do seu espaço, as políticas de combate à discriminação racial no país. Números indicam que o afroempreendedorismo já é uma realidade. Um levantamento de 2015 do Sebrae baseado na Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad) apontou que, em dez anos, a quantidade de empreendedores negros cresceu 29% no Brasil.
No segmento das micro e pequenas empresas – aquelas que faturam até R$ 3,6 milhões por ano –, o percentual de empresários negros passou de 43% para 49%. O estudo indicou ainda que o Comércio e a Agricultura são os setores que mais têm proprietários de empresas que se declaram negros (23%). Os demais empreendedores negros estão nos setores de Serviços (21%), Construção (19%) e Indústria (10%). Para fomentar o Afroempreendedorismo, organizações da sociedade civil se uniram ao Coletivo de Empresários e Empreendedores Afro-brasileiros (Ceabra), ao Instituto Adolpho Bauer (IAB) e ao Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
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Dessa cooperação, nasceu o Projeto Brasil Afroempreendedor (PBAE) que, entre 2013 e 2016, contribuiu para o desenvolvimento de mais de 1600 negócios liderados por negros, assegurando oportunidades para a ascensão social e o fortalecimento de líderes negros no comércio. O Projeto deixou outro legado: a organização da Rede Brasil Afroempreendedor (Reafro), associação sem fins lucrativos responsável atualmente por dar suporte a iniciativas semelhantes no país. A Rede promove encontros, feiras e capacitações para troca de experiências e aprimoramento das práti cas de gestão das empresas lideradas por negros e negras que, por meio do comércio, valorizam culturas e saberes que chegaram ao Brasil séculos atrás. Segundo a presidente da Reafro, Ruth Pinheiro, a iniciati va nasceu na década de 1980. O conceito designou o momento em que os empreendedores negros começaram a se unir com o objetivo de superar desafios comuns, em especial o da discriminação.
“O empreendedor negro é vítima de racismo com frequência. Ele não é bem recebido nos bancos, não é bem aceito pelos clientes, sofre com a falta de confiança de sócios que subestimam sua capacidade. Essas dificuldades explicam a necessidade de se criar núcleos de orientação voltados exclusivamente para o empreendedor negro”, destaca. João Carlos Martins preside o Ceabra do estado de São Paulo. Junto da Reafro, a entidade atua na capacitação de artesãos, criadores e designers para gestão do próprio negócio. Para ele, o racismo está disfarçado na descrença do empregador, dos financiadores e até de autoridades governamentais. Aos poucos, porém, os grupos vencem o ceticismo, conquistam espaço e garantem os recursos necessários para alavancar os negócios: “Ainda é necessário ao negro, no Brasil, provar sua capacidade a todo mundo, o tempo todo. Mas somos determinados, não desistimos ao esbarrar em qualquer obstáculo”.
A discriminação racial no mundo dos negócios foi abordada em pesquisa realizada entre os participantes do PBAE. O estudo apontou que quase metade dos respondentes (44,5%) já sofreram com manifestações de racismo por parte de clientes. De acordo com as lideranças das entidades de apoio ao afroempreendorismo, a competitividade dos empreendedores afro-brasileiros é afetada por dois elementos, principalmente: além das manifestações cotidianas de discriminação, há também o histórico de exclusão dos negros em relação a oportunidades de trabalho e estudo.
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Em consequência dessa realidade, a metade negra dos pequenos e microempresários brasileiros não compete em condições de igualdade com a metade branca. A dificuldade de acesso a crédito bancário, segundo Ruth Pinheiro, é outra justificativa para a criação das organizações impulsionadoras do afroempreendorismo. Ela ressalta que, para alavancar os negócios, é essencial a qualquer empresário acompanhar as atualizações tecnológicas, buscar capacitações, adquirir matéria-prima de qualidade e manter capital de giro – e tudo isso exige investimento. “Historicamente, a população negra tem menor renda.
Poucos tiveram tempo e oportunidade de construir patrimônio e por isso ainda são poucos os empreendedores negros que conseguem dar garanti as aos bancos”, explica. Por conta disso, um dos objetivos da Reafro é desenvolver projetos e estabelecer parcerias que possibilitem empréstimos e operações financeiras de crédito para o atendimento direto e indireto aos empresários negros.
EMPREENDEDORISMO E VALORIZAÇÃO CULTURAL
[blockquote author=”” link=”” target=”_blank”]O estudo Pesquisa Mulheres e Trabalho, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social, revelou que, em 2014, as mulheres negras ainda recebiam 40% a menos que os homens brancos.[/blockquote]
Onde se encontram empresários negros, geralmente, há produtos ou serviços cuja história remonta à contribuição civilizadora de africanos e de seus descendentes. Essa herança está na moda, na culinária, no artesanato. Ketty Valêncio, Dara Ribeiro e Mariana Mari são empreendedoras que valorizam as raízes culturais. Para alavancar as vendas de seus produtos e impulsionar negócios liderados por outras mulheres donas de seus próprios negócios, elas criaram o Mercado Negra, em 2015. Cerca de 40 expositoras se revezam na organização das feiras, onde são expostos produtos como roupas, acessórios, livros, filmes e artigos de papelaria – a maioria traz estampada a herança da cultura africana. A feira itinerante é realizada na capital paulista e já chegou à nona edição.
Iniciativas semelhantes estão presentes em capitais como Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Porto Alegre, São Paulo e Belém. Turbantes, panos coloridos, referências do sincretismo religioso, artesanato e conhecimentos tradicionais fazem parte dos produtos que são valorizados pela iniciativa de homens e mulheres que enaltecem culturas ancestrais em seus produtos e criações.
Segundo as fundadoras do Mercado Negra, a ideia surgiu a partir da compreensão de que as mulheres negras conviviam com desafios semelhantes, especialmente no que se refere à visibilidade do trabalho produzido. Levou-se em conta a realidade das mulheres que trabalhavam na informalidade, tinham criatividade, iniciativa, mas enfrentavam dificuldades para colocar seus produtos no mercado. Organizadas no coletivo, as novas empresárias são capazes de minimizar os efeitos da realidade de discriminação racial e injustiça social apontada, inclusive, pela Pesquisa Mulheres e Trabalho, do Ipea.
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Ketty Valêncio é biblioteconomista e dona da Livraria Africanidades, especializada em literatura afro-brasileira e feminista. Ela explica que as mulheres negras que integram o coletivo, normalmente, têm tripla jornada: são mães, administradoras do lar, trabalham fora de casa e também querem empreender. “O Mercado Negra torna possível nossa ascensão social ao reunir mulheres talentosas, independentes e chefes de família que desejam progredir. Nós podemos ser o que quisermos, inclusive empresárias de sucesso”, ressalta. Quanto ao nome “Mercado Negra”, as fundadoras explicam que se pretendeu fazer um paralelo e dar novo significado à expressão “mercado negro”, associada a algo ruim, ilegal, negativo.
Ketty explica ainda que o Mercado Negra está para além do desejo de lucrar – tanto que as integrantes do coletivo não se consideram concorrentes umas das outras. Segundo ela, as feiras têm também cunho político e objetivam promover a valorização da cultura afro-brasileira. “Os produtos vendidos no Mercado Negra têm a ver com a nossa história. Hoje, as mulheres estão mais interessadas em política, têm maior acesso à informação, querem valorizar o lugar de onde vieram e quem realmente são. Nosso desejo é que cada vez mais mulheres se juntem ao coletivo para fortalecer essa luta.”
Dara Ribeiro é proprietária da Eparrei, marca de bolsas, camisetas e acessórios que valorizam a cultura afro-brasileira em suas estampas e formas. Ela relata que sua vontade de empreender sempre esteve associada ao desejo de reverter o histórico quadro de dificuldades enfrentadas: “A invisibilidade da mulher negra na moda e no cenário empreendedor sempre me incomodou. Chamo a atenção para o problema por meio das frases de protesto que estampam as camisetas da minha marca”. Mesmo organizadas no Mercado Negra, as afroempreendoras enfrentam adversidades, especialmente quanto ao espaço físico para montar a feira. “Apesar das parcerias que temos, não é sempre que encontramos um lugar físico para instalar o Mercado”, lembra Dara. Ainda assim, ela garante: novas edições do Mercado Negra serão realizadas este ano.