A geração que digita, mas não fala: o novo desafio da comunicação no varejo
O varejo tem um desafio gigante de conexão com essa nova linguagem da juventude
A criação do smartphone e a chegada de aplicativos como ferramentas que ampliaram e melhoraram a vida das pessoas, e pode-se destacar o Whatsapp, tem mexido demais com a forma de comunicação. Um aplicativo de comunicação que facilitou demais e tornou-se na principal plataforma de vendas e comunicação entre jovens e adultos no Brasil. Apesar de ser segundo lugar em números de usuários absolutos, em termos de percentual de utilização, o país alcança 99% dos utilizadores de aplicativos de mensagens usando o Whatsapp como principal aplicativo de conversas.
Uma preocupação que aumenta a cada momento sobre a questão da utilização de aplicativos de comunicação em smartphones ou tablets, é a dificuldade que as novas gerações e até as mais antigas, estão tendo de se comunicar pessoalmente. Veja que a utilização exagerada de comunicação virtual, com diversos auxílios e aplicações que melhoram e facilitam a comunicação, acabam se tornando não usuais na comunicação presencial, quando se trata de imagens, vídeos, emojis, stikers entre outros.
Quando se fala de um mundo repleto de utilizadores de inteligência artificial, o receio é que essas habilidades de comunicação sejam ainda mais reprimidas pela facilidade de se pedir um texto pronto para o ChatGPT. Hoje se vê claramente jornais, empresas, influenciadores renomados utilizando a IA na produção de textos, um dos aspectos mais visíveis e claros dessa utilização é a pontuação separada por hifens ou traços. Apesar de ser esteticamente e gramaticalmente correta, é muito pouco usual na escrita diária e coloquial, o que tem sido muito utilizado nos textos fabricados pela IA. Muitos, por não se atentarem a isso, acabam copiando e colando sem se preocupar com a estética e sem olhar para esse farol claro de indicativo de utilização da tecnologia.
É evidente que quando se tem identificado essa utilização, paira a dúvida se esse texto foi mesmo idealizado pelo autor, apenas melhorado com a utilização da IA ou se simplesmente, nas pressas e correrias do dia a dia, está se usando a tecnologia para criação total de textos. O desafio é realmente muito grande, e quebra um pouco a credibilidade da mensagem, mesmo que tenha sido usada de forma técnica ou ortograficamente correcional. Mas o que há de mal nisso? A tecnologia não veio para inspirar e melhorar a vida das pessoas?
A grande questão levantada aqui é a dificuldade das pessoas de se comunicar de forma tradicional, presencial e em coletivo. O uso exagerado de ferramentas de comunicação virtual está moldando os jovens e atrapalhando até alguns adultos no processo de se comunicar verbalmente de forma pessoal. Isso já está evidente nas ondas de siglas criadas por adolescentes no whatsapp como forma de tornar a comunicação mais fluida e mais fácil, juntando com aquele misto apropriação da linguagem e autoafirmação na entrada da fase adulta. Agora vemos VDC (vai dar certo), FDS (foda-se), SQN (só que não) entre outros povoando as conversas de jovens e adolescentes como se uma nova forma de comunicar fosse necessária para a imposição da nova geração.
Por que se traz essa reflexão em um artigo onde se trata de comportamento de consumo em varejo? O ponto fundamental de reflexão, em relação a essas mudanças comportamentais dos jovens, e até de alguns adultos, mostra que a preocupação com a comunicação, e até mesmo a diminuição do exercício dela entre pessoas, irá impactar muito mais o varejo físico do que o varejo online.
E por que isso? Está claro e evidente que essa mudança comportamental, na forma de se comunicar das novas gerações, impacta diretamente a relação entre jovens e adultos, jovens e jovens, e jovens e mais jovens. Essas relações se refletirão na escola, nas famílias, nas lojas, nas igrejas, em vários lugares, onde o jovem vai necessitar, cada vez mais, utilizar artifícios digitais para se comunicar, mesmo estando cara a cara.
Se moldar a forma de se comunicar dos jovens atuais é garantir espaço no processo de maturação de memória deles e assim conseguir existir dentro do modo de escolha de consumo dos indivíduos. Apostar em propaganda, marketing é uma das saídas, mas a questão não é o meio da mensagem chegar, mas a mensagem em si. Ela vai ser absorvida? Ela será entendida pelos jovens de hoje e adultos de amanhã? Eles conseguem se identificar com o que está sendo passado?
Essa reflexão não surge de forma inédita. Já o livro: O Consumidor Tem Pressa (2022), mostra de forma destacada que a pressa do cliente e a dificuldade de comunicação presencial transformavam o atendimento em um ponto crítico de decisão. Está claro que o consumidor, ao sentir-se incompreendido ou mal interpretado, criava memórias negativas que influenciavam fortemente sua próxima escolha de compra. Esse fenômeno, hoje potencializado pelas interações digitais, reforça que a falta de diálogo direto mina a relação de confiança entre cliente e varejista.
No livro: Vivendo o Varejo Americano (2024), é mostrado, em sua experiência prática, como os norte-americanos já lidam com gerações formadas no digital. Ao visitar lojas de conveniência, supermercados e grandes redes, destacou que a comunicação adaptada à linguagem do consumidor era decisiva para manter relevância. Nessas análises, ficou evidente que não se tratava apenas de vender produtos, mas de decifrar sinais e códigos de um cliente que, muitas vezes, prefere não falar, mas quer ser entendido. Essa vivência reforça o que agora se percebe avançando rapidamente no Brasil.
Portanto, quando a preocupação recai sobre uma “geração que digita, mas não fala”, trata-se da continuidade de uma linha de pesquisa e observação que já trazida a luz desde 2022. Já estava claro nesses dois livros que o futuro do varejo depende da capacidade de traduzir a comunicação do consumidor, seja ela verbal, escrita, simbólica ou digital, em conexão real dentro das lojas físicas. Quem não souber ouvir esses novos códigos de linguagem estará, inevitavelmente, desconectado de seus clientes de amanhã.
O varejo tem um desafio gigante de conexão com essa nova linguagem da juventude. Moldar e entender, decodificar e responder de forma que o jovem consiga entrar na loja física e se identificar com o lugar, com a linguagem, com as pessoas e com os produtos, como se fosse uma tela de tablet onde ele é altamente fluente. É dentro desse espectro de maturidade que as memórias fortalecedoras da ligação dos indivíduos com a sua marca estarão se alimentando e garantindo a conexão futura.
O olhar para o comportamento do consumidor é essencial para que se diferencie o que são ferramentas de vendas, o que são estratégias de melhorar a experiencia do cliente e o que é efetivamente que se está sendo feito para se conectar com o consumidor, principalmente os mais jovens que serão os adultos de amanhã.
*Roberto James é um especialista em consumo e varejo, dedicado a desvendar as novas dinâmicas do mercado. Com uma visão provocadora, ele desafia empresas a abandonarem modelos antigos e a se adaptarem à mentalidade das novas gerações, transformando desafios em oportunidades de crescimento.

