18 abr, 2025
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CEOs devem cultivar a humildade

Especialista defende tendência na qual líderes deixam de figurar como heróis ou semideuses, para estimular engajamento e inovação por parte das equipes

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CEOs devem cultivar a humildade

Em meio a tantas cobranças por mais e melhores resultados nas empresas, pode parecer uma contradição esperar que os líderes adotem a humildade como um valor em seu relacionamento com as equipes. Mas essa postura humilde é justamente o que defende Sylvia Freitas Mello, doutora em Administração pela PUC-Rio, pesquisadora e consultora na área de Organizações e há mais de 20 anos atuando na área de RH de grandes empresas. Para ela, em busca de mais engajamento e até iniciativas inovadoras por parte dos funcionários, os CEOs devem deixar de ser vistos como heróis ou semideuses, em um ambiente que favoreça maior interação e até espaço para errar.

Junto com os também professores da PUC-Rio Patrícia Amélia Tomei e Renato Cuenca, Sylvia Mello é autora do livro ‘Humildade nas Organizações’, que mergulha nesta nova abordagem da liderança. Sylvia Mello explica que esta postura vem ganhando força em algumas empresas e nos cursos de MBA, pós-graduação, mestrado e escolas de negócios, mas ainda há muito a percorrer. Em geral, a cultura das empresas e dos cursos envolve uma “hipervalorização do líder e da competitividade”.

“Isso ocorre principalmente na cultura ocidental. Vemos grandes escolas de negócios que nasceram nos EUA, por exemplo, que têm uma cultura mais individualista e na qual a humildade não é valorizada. Elas ainda tratam os CEOs como líderes onipotentes, como ‘heróis salvadores’, mas isso está mudando aos poucos, é uma tendência mais recente”, afirma a pesquisadora.

Associação a religiões

Quando se fala em humildade, diz Sylvia Mello, muitas vezes essa atitude é associada a religiões, na figura dos Dalai-lama ou Madre Teresa de Calcutá. Mas esse não é o caso. Humildade não deve ser confundida com baixa auto-estima, com ser submisso, subjugado, ter aparência simples, ser desfavorecido financeiramente ou ser coitadinho. Ao contrário: é necessária muita autoconfiança para que o líder seja humilde. Também parece um paradoxo adotar a humildade em tempos de pressão por bons resultados. A pesquisadora explica que a pressão sempre vai existir, mas o importante é como o líder lida – e aprende – com suas equipes para obter bons resultados. Se a postura for muito opressiva e arrogante, os resultados podem até ser alcançados. “Mas a que preço?”, indaga a professora.

A professora afirma que a humildade nas organizações pode ser vista por três aspectos. O primeiro é o autoconhecimento do líder, que deve reconhecer que tem vários pontos fortes, várias fortalezas, mas também fraquezas. O líder deve aceitar feedback, que mesmo negativo, pode ajudá-lo a melhor desempenhar sua função e melhor se relacionar com as pessoas. O segundo ponto é a capacidade de valorizar o outro. É descobrir as habilidades e talentos do outro, apreciando suas ideias e contribuições. E o terceiro é a abertura ao aprendizado. A liderança reconhecendo que tem sempre algo a aprender, buscando uma melhoria contínua.

Sem medo de errar

“O líder, ao reconhecer que não sabe tudo, se mostra aberto e curioso para aprender com o outro, tendo uma escuta ativa, que favorece a motivação da equipe”, sustenta Sylvia Mello.

E o maior envolvimento das equipes em inovação também pode decorrer desta postura motivacional do líder e da criação de espaços para errar. Se o ambiente for avesso ao erro, nunca haverá espaço para acertar. Quando se tem medo do fracasso, se evita o risco, e o medo de arriscar nos impede de inovar. Só é possível corrigir erros e melhorar quando sabemos das nossas falhas e limitações.

Tecnologia e aprendizado

Em tempos de novas tecnologias, a humildade se apresenta como um fator importante. O jogo mudou e não importa apenas a “quantidade” de conhecimento que foi acumulada, mas a capacidade de lidar com a mudança, pois é impossível competir com as máquinas. É importante as lideranças reconhecerem que não sabem tudo, não têm uma informação ou uma habilidade, mas o outro tem. A tecnologia vai exigir que líderes e equipes trabalhem juntos de uma forma cooperativa e colaborativa.

A pesquisadora chama a atenção para um aspecto relevante, o de que não só alguns líderes se portam de maneira arrogante, como também jovens em início de carreira. Esse comportamento inadequado é resultado do desejo do jovem de se afirmar e mostrar o quão bom ele é, e não deve ser estimulado, pois cria um ambiente de competição excessiva nas equipes e afeta seu equilíbrio.

Alguns bons exemplos

A professora revela como o tema humildade vem sendo valorizado pelas organizações. Dentre as empresas que passaram a declarar a humildade como um valor organizacional em suas home pages, estão, conforme pesquisa de 2022, Porto Seguro, Supermercado Zona Sul, Spring Global, Action Aid, Tinder, QEdu e BHUB. Já Google, Pixar, Southwest Airlines e IDEO são empresas em que sua cultura e seus líderes reforçam os pilares da humildade.

O livro escrito pelos três autores não se limita à análise e pesquisa da humildade nas organizações, mas traz, também, algumas belas lendas. Dentre elas, destaca-se a de um sapinho que precisava migrar para o outro lado de uma montanha, devido ao inverno. Não podendo voar, o sapo teve a ideia de colocar uma madeira na boca e chamar dois amigos gansos para transportá-lo, cada um segurando de um lado da madeira. Ao passar por uma cidade, com os gansos voando baixo, um andarilho elogiou-o pelo invento: “De quem foi essa ideia tão maravilhosa?’’ Vaidoso, o sapinho abriu a boca para responder: “Foi minha!” e se estatelou na montanha. O recado para os CEOs e líderes em geral é: mais humildade, pois a vaidade e a arrogância podem custar caro.