13 out, 2025
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O conto da Geração Z: por que o varejo está vendo o fim da cultura do ter

Essa transição da cultura do “ter” para a do “ser” é muito mais profunda do que parece

Roberto James - Visão de Varejo

É comum e fácil encontrar matérias em todos os jornais falando da Geração Z e sua relação com o trabalho. A dificuldade das empresas de conseguir mão de obra e uma infinidade de relações com as gerações no ambiente de trabalho e suas pautas ESG voltadas para os recursos humanos. O que pouco comentam é sobre o impacto que essas mudanças nas relações vão trazer para o acúmulo de riqueza das novas gerações e como isso vai mover a economia de consumo nos próximos anos.

Ninguém está prestando atenção, mas enquanto o mercado de trabalho tenta entender a “uberização” da mão de obra e a preferência dos mais jovens por empregos flexíveis, sem chefes e com a liberdade de escolher quando e quanto trabalhar, o varejo e os serviços precisam acordar para uma nova realidade: o consumidor moderno é outro. Não se pauta mais por fidelidade à marca, mas sim à jornada de compra. Ele não quer esperar na fila, não tolera a burocracia e exige velocidade.

A cultura do “ter” está sendo substituída pela do “ser”. O jovem de hoje adia decisões como casar, ter filhos e comprar casa ou carro. Ele prefere alugar, usar, e se preocupa com o meio ambiente. Menos famílias e menos necessidades fixas significam um freio na demanda por bens e serviços em larga escala. A indústria automobilística, o mercado imobiliário e até mesmo os postos de gasolina sentem esse impacto, pois a sustentação do consumo, que antes estava na família, agora se pulveriza.

O que acontece é que essa nova geração, que nasceu com o smartphone na mão, aprendeu a consumir de forma diferente. Eles não se conectam com produtos, mas com propósitos. Querem se identificar com a história e os valores da empresa, ser parte de uma comunidade. O atendimento precisa ser tão eficiente quanto o aplicativo que eles usam para tudo. O autoatendimento, que no Brasil ainda é visto com ressalvas, é uma necessidade para que o varejo respeite o tempo do cliente e não o perca para o e-commerce. A fila, a espera e o tempo do cliente são os bens mais valiosos para as empresas, e quem não entender isso, não sobrevive.

Essa transição da cultura do “ter” para a do “ser” é muito mais profunda do que parece. Ela não se manifesta apenas na decisão de adiar a compra de um carro. Ela está presente na busca por experiências, na valorização de momentos em detrimento

de bens materiais. O jovem de hoje quer viajar, aprender, vivenciar. Ele investe no que o transforma, no que o faz crescer como pessoa, e não no que o define socialmente. A marca que entende isso deixa de vender um produto e passa a vender uma oportunidade de ser. E o consumo, nesse novo cenário, se torna um meio, e não um fim.

A flexibilidade do trabalho, que tanto atrai as novas gerações, também tem um custo silencioso. A “uberização” e os empregos por aplicativo podem oferecer liberdade, mas raramente trazem a estabilidade financeira e a progressão de carreira que as gerações anteriores desfrutavam. O dinheiro, na maioria das vezes, entra de forma mais esporádica e em menor volume. Esse é um fator crucial que o varejo precisa considerar: as novas gerações não apenas consomem diferente, mas também têm menos poder de compra para o consumo tradicional e de longo prazo.

Com menos dinheiro e um foco maior em experiências, o consumo se torna mais seletivo e consciente. O “comprar por comprar” está em decadência. Cada real gasto é uma decisão calculada. Os jovens buscam o melhor custo-benefício, consultam avaliações online e valorizam produtos ou serviços que oferecem conveniência e propósito. Eles comparam, pesquisam, e não se apegam a uma única marca. Esse comportamento é um alerta vermelho para o varejo de massa, que precisa abandonar o modelo de tentar vender tudo para todos e focar em entregar valor real.

Em meio a tudo isso, a mensagem principal é clara: o varejo precisa se reinventar. O tempo de pensar na loja física como um simples depósito de produtos acabou. Ela precisa se tornar um ponto de experiência, onde o digital e o físico se complementam. O autoatendimento, a compra online com retirada na loja, e a busca por um atendimento que respeite a velocidade do consumidor são apenas o começo. As empresas que não se adaptarem a essa nova realidade, que já está em curso, correm o risco de perder de vez a conexão com os consumidores que estão moldando o futuro da economia. E uma vez sem essa conexão é como se você deixasse de existir, mesmo que ocupe o melhor ponto do quarteirão.

*Roberto James é um especialista em consumo e varejo, dedicado a desvendar as novas dinâmicas do mercado. Com uma visão provocadora, ele desafia empresas a abandonarem modelos antigos e a se adaptarem à mentalidade das novas gerações, transformando desafios em oportunidades de crescimento.

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