“Boreout” gera tédio crônico no trabalho
Uma espécie de “primo” do já conhecido burnout, que define condições em que as pessoas até adoecem devido ao excesso de trabalho
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O problema não está diretamente relacionado a salário, cargo ou benefícios. Uma espécie de “primo” do já conhecido burnout, que define condições em que as pessoas até adoecem devido ao excesso de trabalho, o “boreout” começa a se tornar uma condição preocupante no mundo corporativo.
Trata-se de um “tédio crônico”, uma situação em que o funcionário está muito entediado com o próprio trabalho, achando-o inútil, sem sentido e desprovido de valor. O boreout pode transformar os colaboradores em verdadeiros “zumbis”. Além de ser danoso para o próprio funcionário, o fenômeno gera prejuízos nas empresas, como pedidos de demissão que podem levar a uma alta taxa de rotatividade de pessoal.
De acordo com reportagem publicada no site da BBC, o boreout é um desafio tanto para os empregados quanto para as empresas. O funcionário pode demorar a entender que sofre de boreout, só percebendo isso claramente quando está cronicamente entediado, disse Lotta Harju, professora assistente de Comportamento Organizacional na EM Lyon Business School, na França, que estuda boreout há anos.
“Boreout é tédio crônico. É a sensação de falta de sentido, de que o trabalho não tem nenhum propósito. A origem pode estar em ambientes pouco motivantes ou na falta de desafios no trabalho”, analisou Harju.
Fenômeno surpreende as empresas
A situação ainda é uma espécie de enigma para as empresas. Além de muitas vezes o funcionário demorar a identificar que sofre de boreout, em geral ele não comunica este sentimento a seus líderes ou ao departamento de Recursos Humanos, temendo que o relato seja mal recebido.
“Ao contrário do burnout, funcionários entediados raramente desmaiam de exaustão. Enquanto os comportamentos que alimentam o esgotamento, como o excesso de trabalho, são apreciados e recompensados pelos empregadores, o boreout pode refletir falta de interesse, falta de motivação, o que torna o assunto um tabu nas empresas”, explicou Harju.
Líderes devem combater o problema
Segundo estudiosos do assunto, as corporações e seus líderes precisam despertar para o problema do boreout e criar ações para combatê-lo. Fahri Özsungur, professor associado de Economia da Universidade de Mersin, na Turquia, que participou de um estudo de 2021 sobre os efeitos do boreout na saúde, aponta que o combate ao fenômeno não depende apenas do indivíduo.
“Cabe às gerências criar uma cultura de escritório que faça as pessoas se sentirem valiosas. Isso pode ser feito com pequenas alterações nas tarefas, transformando o trabalho chato em algo agradável. As organizações precisam aprender o que é boreout e ter recursos para enfrentá-lo”, defendeu Özsungur.
Trabalho deve ser notado e apreciado
A professora Harju compartilha a mesma opinião. “Há muitas maneiras de fazer com que os funcionários sintam que o tempo que passam no trabalho é notado, apreciado e vale a pena. Prevenir o tédio nos trabalhadores depende da boa liderança. Os líderes devem dedicar tempo para comunicar aos trabalhadores por que o que estão fazendo é valioso”, afirmou Harju.
Ruth Stock-Homburg, professora de Administração e Gestão de Recursos Humanos da Universidade Técnica de Darmstadt, na Alemanha, disse que testemunhou o boreout em vários setores, inclusive entre trabalhadores em áreas de tecnologia no Vale do Silício. A professora e colegas identificaram três aspectos principais do fenômeno: estar terrivelmente entediado, ter uma crise de crescimento e ter uma crise de significado”.
Compras online e cyberloafing
“O que acontece com mais frequência é que as pessoas simplesmente aparecem em suas mesas e passam o tempo fazendo compras online, cyberloafing (uso da Internet para fins pessoais), conversando com colegas ou planejando outras atividades. Essas pessoas não são preguiçosas, estão usando esses comportamentos como mecanismos de enfrentamento”.
Algumas pesquisas mostraram o impacto negativo do boreout. Harju contou que, em 2014, trabalhou em um estudo que analisou 11 mil trabalhadores em 87 organizações finlandesas e revelou que o tédio crônico “aumentou a probabilidade de rotatividade dos funcionários e intenções de aposentadoria precoce, além de má autoavaliação da saúde e sintomas de estresse”. Outro estudo, de 2021, apontou que 186 funcionários do governo na Turquia que sofriam de boreout também lidavam com depressão e altas taxas de estresse e ansiedade. Segundo pesquisas, a depressão por boreout pode levar a doenças físicas, como insônia e dores de cabeça.
Trabalho remoto ou híbrido pode gerar boreout
Em reportagem no site CNBC Make It, Adam Grant, autor de best-sellers e psicólogo organizacional da Wharton School, da Universidade da Pensilvânia, disse que o boreout se tornou mais relevante após a pandemia de Covid-19, com os trabalhos remotos ou híbridos, condição que reduziu as interações pessoais.
Mesmo criando riscos de boreout, o trabalho remoto ou híbrido envolve sentimentos contraditórios. Cerca de 80% dos trabalhadores dos EUA preferem o trabalho remoto ou híbrido, de acordo com uma pesquisa Gallup de 2024. Mas a falta de interação social é um desafio, pois 30% dos entrevistados disseram que as reuniões virtuais são “menos eficazes” do que as presenciais. O quadro deve se intensificar ainda mais no futuro, pois, segundo o Fórum Econômico Mundial, o número de empregos digitais deve aumentar 25% até 2030.
O risco de se tornar um zumbi
Adam Grant disse que desempenhar a mesma tarefa por muito tempo, não ter espaço para crescimento na carreira, não ter certeza se seu trabalho é significativo e a falta de interação social são fatores que podem contribuir para o tédio. O psicólogo, que atualmente atua como Especialista-chefe em Vida Profissional da Glassdoor, descreve o boreout de maneira assustadora:
“No burnout, quando você está esgotado, você está sobrecarregado e superestimulado. Mas quando você está entediado, você fica desapontado. As pessoas ficam letárgicas em reuniões virtuais, por exemplo. As pessoas ficam como zumbis”, analisou Grant.
Como combater o boreout?
Mas haveria como o trabalhador identificar e combater os sinais de boreout? Grant recomenda que os funcionários sejam intencionais em fazer conexões reais no trabalho, estabelecendo cafés e bate-papos com seus colegas, por exemplo, ou criando laços para resolver um problema juntos.
“Pense nas coisas que você deseja compartilhar e que você sabe que realmente se sobrepõem ao que outras pessoas se importam em seu local de trabalho. Esses podem ser alguns valores comuns que o levaram a ingressar na organização”, aconselhou o psicólogo.