Mulheres são minoria em cargos de liderança no Varejo
Apesar da Constituição Federal de 1988 garantir a igualdade de gênero, as mulheres continuam em desvantagens no mercado de trabalho, inclusive no Varejo.

Apesar da Constituição Federal de 1988 garantir a igualdade de gênero, as mulheres continuam em desvantagens no mercado de trabalho, inclusive no Varejo
Mesmo com os avanços sociais nas questões de gênero no mundo todo e a Constituição Federal de 1988 garantir a igualdade de gênero, encontrar mulheres em posições de liderança e chefia ainda é um desafio. A 23ª edição do Club Survey Varejo, divulgada pela Korn Ferry em novembro deste ano, aponta que as mulheres ocupam menos de 30% das posições de diretoria, 36% das funções de gerente sênior e 44% dos cargos de gerência.
“No topo da pirâmide, a prevalência ainda é masculina. Já na base é diferente: há uma prevalência maior de mulheres”, detalha Diego Furtado, diretor de Clientes de Serviços Digitais da Korn Ferry.

O estudo também mostra que quanto mais operacional o cargo, maior é a presença feminina. As mulheres representam 54% da mão de obra atuando como líder/encarregado, 56% como operacional de loja e 52% como funções gerais.
“Mulheres ocupam menos espaço em cargos de liderança devido a barreiras históricas e o preconceito de gênero. A cultura empresarial favorece o estilo de liderança e comportamentos tipicamente associados aos homens, que cria obstáculos adicionais para as mulheres”, avalia Paulo Silvestre, especialista em Desenvolvimento, Análise de Negócios e Inovação.
Outro levantamento mostra que, no Brasil, a remuneração média dos homens, no segundo quadrimestre de 2023, foi 25,3% maior do que a das mulheres, segundo reportagem de Mauren Luc para a Folha de S. Paulo. Além de ocuparem a maioria dos cargos de gerência (60%), eles registraram a menor taxa de desemprego no mesmo período, 6,9%. A das mulheres foi de 9,6%.
Os dados fazem parte da pesquisa de Janaína Feijó, doutora em Economia e docente da FGV-Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas). “A cada dez mulheres em idade para trabalhar, apenas cinco participam do mercado de trabalho. Já entre os homens, sete a cada dez estão empregados”, contou a pesquisadora para a Folha.
O estudo da docente da FGV-Ibre usou dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e mostra que, nos últimos 11 anos, o rendimento médio das mulheres tem sido inferior ao dos homens: enquanto eles ganham, em média, R$ 3.196 mensais, elas recebem R$ 2.551.
Igualdade salarial
O favorecimento histórico dos homens no mercado de trabalho é alvo da Lei 14.611/23, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último mês. A legislação garante a igualdade salarial entre homens e mulheres, com estabelecimento de mecanismos de transparência salarial, incremento da fiscalização, criação de canais específicos para denúncias de casos de discriminação salarial, promoção de programas de inclusão no ambiente de trabalho, fomento à capacitação e à formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho, em igualdade de condições com os homens.
De acordo com o IBGE, no final de 2022, os homens recebiam 22% a mais que as mulheres. Com a Lei 14.611, a empresa que não pagar salários iguais para homens e mulheres no mesmo cargo/função terá que indenizar a colaboradora por danos morais o equivalente a 10 vezes o seu salário.
“Esperamos que se cumpra a lei, porque até então mulheres e homens já deveriam ter salários iguais, mas nem todas as empresas praticavam isso. Agora, com uma eminente penalização financeira, as empresas terão que se reorganizar”, explica Milana Khodorkovskaya, pesquisadora da Korn Ferry. Inclusive, a própria Milana chegou a receber metade do salário de seus colegas de trabalho, homens que ocupavam o mesmo cargo de coordenador-gerente, “sem uma justificativa lógica para essa alteração de pagamento”, conta.

Foto: Shutterstock
“Muitas vezes, as mulheres são submetidas a ofertas inferiores, fazendo com que comecem (suas carreiras) com o menor salário e, mesmo que suba, será em uma projeção que já estará defasada desde o ponto de partida”, avalia a especialista da Korn Ferry.
Diferenças salariais no Varejo
Ao comparar 2023 a 2022, a 23ª edição do Club Survey Varejo também observou que houve uma pequena redução (3%) na participação do gênero feminino no setor, ainda que continue sendo o maior quantitativo de trabalhadores no segmento.
Além disso, mapeou as diferenças salariais de homens e mulheres praticadas pelo Varejo, e concluiu que, no geral, houve uma queda na diferença salarial para a maioria das posições (entre 1 p.p. e 7 p.p.). Em alguns níveis, como coordenadores/especialista e operacional, as mulheres chegam a ter melhores salários do que os colaboradores do sexo masculino. No entanto, nos cargos mais operacionais, como gestão de loja e encarregado, cresceu a diferença salarial.
Outra pesquisa da Korn Ferry comprova que as mulheres têm a menor taxa de progresso e promoção e, portanto, os homens acabam ocupando, com maior frequência e mais rápido, cargos de liderança e com melhor renumeração. Eles sobem de cargo a cada 2/3 anos, enquanto elas levam de 5 a 5,5 anos.
Os papéis sociais de gênero também atrapalham o crescimento profissional das mulheres. Na hora de indicar os profissionais para os cargos de chefia, muitos líderes se questionam se elas têm condições de conciliar trabalho e família. Milana conta que já perdeu uma oportunidade de promoção por ter um filho, que na época tinha apenas um ano de idade.
“Isso ocorre porque (na nossa sociedade) a maior parte das mulheres se dedicam aos cuidados domésticos e familiares, a chamada ‘economia do cuidado’. Sem divisão igualitária de tarefas, elas deixam de ter mais tempo ou, até mesmo, (qualquer) tempo para se dedicar à carreira e aos estudos, como os homens têm”, afirma Mariana Covre, advogada especialista em Compliance de Gênero. “Além desse fator, a violência ainda é muito praticada contra mulheres e meninas (no Brasil). Isso as desfavorece sobremaneira no mercado de trabalho”, acrescenta.
Por fim, a falta de confiança em seu próprio potencial, comportamento mais conhecido como síndrome da impostora, e o fato de não ter uma autonomia para questionar os motivos da promoção ou mudança para um cargo maior. Milena Khodorkovskaya descreve que essas atitudes são consequência da educação que as pessoas do sexo feminino recebem desde a infância, com brinquedos que remetem somente ao cuidado com a casa e os filhos, a tal cultura do patriarcado. Esse fator faz com que as mulheres criem crenças limitantes, interferindo na autoconfiança e na projeção da sua vida empresarial e trabalhista.
“As futuras gerações esperam uma conscientização maior e ações de promoção da igualdade de gênero, o que inclui desafiar e mudar a organização sociocultural, incentivando assim uma distribuição mais equitativa de responsabilidades e lideranças entre todos os gêneros”, destaca Paulo Silvestre.
O estudo Club Survey Varejo aponta ainda que 40,2% dos profissionais que atuam no setor são da geração Z (nascidos de 1995 a 2009), que reconhecem a importância de fortalecer as lideranças femininas e valorizam a autenticidade.
Edição e colaboração: Fernanda Peregrino