Direito de desconexão: chefes podem ser punidos por contato fora do expediente
Contraponto à cultura de trabalho sempre ativa, o direito a se manter desconectado fora do horário de trabalho já está sendo garantido em alguns locais do mundo
ShutterstockO direito à desconexão ganha terreno em várias partes do mundo. Ele é o contraponto da cultura de trabalho “sempre ativa”, um ambiente onde os profissionais são acessados a qualquer momento, mesmo fora do seu expediente. Em alguns casos, o termo telepressão também aparece no radar. Para combater a comunicação tecnologicamente omnipresente, países como Austrália e França começam a estruturar legislações específicas para punir as empresas “sempre ativas”.
A iniciativa pode acontecer também por províncias ou estados, caso de Ontário, no Canadá, e da Califórnia, nos Estados Unidos. Nesse último caso, os legisladores começam a pensar em multas para as corporações cujos líderes têm o hábito de se comunicar com seus liderados fora do horário de trabalho.
Na prática, esse tipo de interação pode envolver várias frentes, incluindo o envio de e-mails e mensagens de texto relacionados ao trabalho que, por sua vez, podem dificultar o desligamento psicológico dos funcionários do trabalho. A consequência é ampliar os conflitos entre trabalho e família, cujo resultado final é a exaustão emocional.
A opinião de especialistas é que o quadro atual precisa mudar e as organizações têm o dever de reduzir a pressão constante para estarem conectadas. O desafio é que muitas delas ficam aquém da iniciativa por duas razões: ignorância ou incapacidade. Ou seja, os funcionários podem ter que resolver o problema por conta própria, com o objetivo de equilibrar a vida pessoal e profissional.
Essa é a avaliação de quatro professores da renomada escola de negócios Insead, autores de um artigo sobre o tema. Para Winnie Jiang, Mark Mortensen, Andy Yap e Spencer Harrinson, o processo pode começar na própria empresa e eles descrevem as etapas necessárias para eliminar o problema a partir da média gerência. Esse estrato hierárquico, de acordo com eles, tem papel fundamental na consolidação da cultura corporativa.
Direito à desconexão
O primeiro passo é refletir sobre seu comportamento e prestar atenção no uso da tecnologia. O conselho deles é fazer uma “auditoria técnica”, com perguntas que investiguem a frequência com que eles recebem e respondem solicitações fora do horário comercial.
Em segundo lugar, os gerentes médios devem estabelecer limites claros para o que se acredita serem níveis razoáveis de conectividade após o trabalho. Mas, se a organização se orgulha da disponibilidade 24 horas por dia, 7 dias por semana, optar por não estar disponível pode prejudicar as chances de promoção. Por mais duro que pareça, é necessário ser realista, segundo os professores. “Se a sua organização não estiver alinhada com as suas necessidades, não é o lugar certo para você”, pontua o artigo.
Depois de definir seus limites, os gerentes médios devem comunicar aos seus colegas e superiores. A meta é ter uma discussão honesta com eles sobre as necessidades. O passo final, como gestor ou colega, é pensar se eles mesmos – gerentes médios – estão criando pressão para que as pessoas trabalhem fora de seu horário preferido. Se a resposta for sim, o ideal é desafiar a organização a repensar se “sempre ligado” é sempre melhor.
Os pontos citados mostram que, na avalição dos especialistas da Insead, a verdadeira mudança requer uma mudança cultural dentro das empresas. Para eles, funcionários, gestores e líderes podem desmantelar a mentalidade de trabalho “sempre ligado”, em vez de que o processo seja feito por meio de legislação específica, como vem sendo ventilado em países como Itália, Eslováquia, Luxemburgo e Portugal.
O desmantelamento da cultura de trabalho “sempre ativa” passa por uma transformação também da mentalidade dos colaboradores e não somente dos líderes. Isso envolve o incentivo a que os funcionários dedicados e engajados se desliguem psicologicamente do trabalho quando precisam fazê-lo para descansar, recarregar as energias e reabastecer-se.
Esse é um desafio que tem na origem outra cultura, a do “do trabalhador ideal”, que é que tem dominado o local de trabalho moderno – uma cultura que espera e incentiva os funcionários a priorizarem o trabalho acima de tudo na vida e a estarem disponíveis para o seu trabalho a qualquer hora e em qualquer lugar.